Circuito da Poesia em Recife: a pé entre versos e melodias


O Circuito da Poesia em Recife é um itinerário cultural que passa por 18 esculturas erguidas ao ar livre em homenagem a ilustres escritores, poetas e músicos que viveram ou nasceram na cidade.

Imagine explorar uma cidade a pé seguindo os versos e as melodias dos seus artistas mais ilustres? Em Recife, você pode… e deve. Use e abuse do Circuito da Poesia, um conjunto de 18 monumentos comemorativos colocados em vários pontos do centro histórico, com exceção de um, que narram fragmentos da vida e da obra de cada um dos artistas homenageados.

O Circuito, completamente ao ar livre e gratuito, disponibiliza também placas explicativas com texto e códigos QR que podem ser leitos pelo smartphone para uma maior interação. Os códigos dão acesso imediato a áudios (em português, espanhol e inglês), vídeos cênicos de poucos minutos e trechos da obra do artista.

O material interativo pode ser acessado também diretamente pelo site oficial do Circuito da Poesia.

Todas as esculturas são de Demétrio Albuquerque.

O Circuito da Poesia em Recife: mini guia

O itinerário dura entre 3 ou 4 horas e você só vai precisar de um par de sapatos confortáveis, um bom mapa e, principalmente, um coração que gosta de se emocionar.

Um bom começo é a Praça do Marco Zero, epicentro virtual da cidade, visitando a estátua de Naná Vasconcelos, recifense, autodidata, detentor de oito prêmios Grammy e um dos melhores percussionistas do mundo, conhecido pelo uso do berimbau.

Leia também aqui no blog | As atrações do Marco Zero

Pertinho dali, na Rua do Bom Jesus, antiga Rua dos Judeus, um dos principais pontos turísticos do Recife Antigo, fica a estátua de Antônio Maria, cronista esportivo, poeta e compositor recifense, conhecido como o rei da samba-canção nos anos 50.

Ai que saudade tenho do meu Recife
Da minha gente que ficou por lá…

Sempre no miolo do Recife Antigo, mora a estátua de Chico Science, poeta, cantor e compositor olindense, um dos fundadores do Manguebeat, movimento musical dos anos 90, e líder da banda Chico Science & Nação Zumbi. A estátua fica na pitoresca Rua da Moeda, local de encontro e socialização dos “Mangue Boys”.

Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar (Chico Science)

A última parada antes de atravessar o Rio Capibaribe é no Cais da Alfândega para visitar a estátua de Ascenso Ferreira que também não era recifense mas de Palmares. Ascenso foi um importante poeta e compositor brasileiro, um dos marcos do movimento modernista pernambucano.

Sozinho, de noite,
nas ruas desertas
do velho Recife, que atrás do arruado
deserto ficou,
criança, de novo,
eu sinto que sou.

(Versos de Ascenso Ferreira)

Na Ponte Maurício de Nassau fica Joaquim Cardozo, o poeta-engenheiro que colaborou com Niemeyer nos projetos do Conjunto Pampulha, em Minas e, em Brasília, do Palácio da Alvorada, da Catedral e do Itamaraty, entre outros. Mas o recifense gosta de lembrar ele pelo amor à cidade.

Tarde no Recife.
Da ponte Maurício o céu e a cidade.
Fachada verde do Café Maxime,
Cais do Abacaxi. Gameleiras.
Da torre do Telégrafo Ótico
A voz colorida das bandeiras anuncia
Que vapores entraram no horizonte.
Tanta gente apressada, tanta mulher bonita;
A tagarelice dos bondes e dos automóveis.
Um camelô gritando: – alerta!
Algazarra. Seis horas. Os sinos…

(Versos de Joaquim Cardozo)

Do outro lado do Capibaribe, no bairro de Santo Antônio, mais seis artistas ilustres. Na antiga (e quase esquecida) Praça do Sebo, fica  Mauro Mota, jornalista, poeta e membro da Academia Brasileira de Letras.  Se puder estique até a Praça da República para conhecer o Teatro Santa Isabel e o Palácio do Campo das Princesas.

circuito da poesia em Recife

Mauro Mota na Praça do Sebo


Um pouco mais na frente, na Rua do Sol, na cabeceira da Ponte Duarte Coelho, eis Capiba, que recifense não era, mas é como se fosse. Era simplesmente o rei do Frevo, Patrimônio Imaterial da Humanidade da Unesco. Deixou um legado inestimável de pura cultura recifense. Durante o carnaval, quando a banda toca os frevos do grande mestre, explode a alegria e ninguém resiste!

Recife teus lindos jardins
Recebem a brisa que vem do alto mar
Recife teu céu tão bonito
Tem noites de lua pra gente cantar
Recife de cantadores
Vivendo da glória, em pleno terreiro
Recife dos maracatus
Dos tempos distantes de pedro primeiro
Responde ao que eu vou perguntar:
Que é feito dos teus lampiões?

(Recife, cidade lendária – Capiba)

A próxima parada é a Praça do Diário, a mais antiga da cidade, assim chamada em homenagem à sede do Diário de Pernambuco, o mais antigo jornal em circulação na América Latina. Lá vai estar Carlos Pena Filho, sentado tranquilamente. Poeta e jornalista recifense, chegou a ser parceiro de Capiba em músicas de sucesso.

No Pátio de São Pedro, que abriga a belíssima Catedral de São Pedro dos Clérigos e um conjunto arquitetônico colonial bem preservado, fica Solano Trindade, um dos maiores poetas negros do Brasil e organizador, juntamente com Gilberto Freyre, do primeiro Congresso Afrobrasileiro. Pertinho dali, na frente do Mercado de São José, que merece uma visita, fica a estátua de Liêdo Maranhão, escritor e fotógrafo recifense, além de assíduo frequentador dos arredores.

O último da série é o rei do baião, Luiz Gonzaga, sertanejo de Exu mas conhecido no Brasil inteiro. A estátua fica na Praça Mauá, na frente da belíssima Estação Central, construída em 1888, e do centro de artesanato “Casa da Cultura”.

Quando olhei a terra ardendo
Com a fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, uai
Por que tamanha judiação?

(Trecho de Asa Branca, Luiz Gonzaga)

Está na hora de atravessar o Rio Capibaribe mais uma vez, passando agora pela belíssima ponte da Boa Vista, para entrar no bairro da Boa Vista e visitar Clarice Lispector na Praça Maciel Pinheiro, onde ela morou (o casarão, identificado com uma placa, infelizmente está em ruínas).  Bom, Clarice não era brasileira, todo mundo sabe, mas como morou em Recife, para os recifenses é 100% recifense. Brincadeira, mas Recife foi realmente um marco na vida da escritora e sua obra é permeada de referências à cidade: o mercado do peixe, a praça, o bonde, o carnaval…

estátua de Clarice Lispector

Clarice Lispector na Praça Maciel Pinheiro


Esticando um pouquinho, dá para conhecer também o cantor Reginaldo Rossi, o rei da música brega, no Largo de Santa Cruz, uma pracinha muito antiga mas que anda descuidada como outras áreas do centro histórico.

Voltando para o Capibaribe e percorrendo a Rua da Aurora, a mais querida das ruas recifenses, logo depois da Avenida Conde da Boa Vista, encontram-se Ariano Suassuna, Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto. Foram eles que nos presentearam com obras como o Auto da Compadecida, Morte e Vida Severina, Pasárgada, Evocação do Recife, entre outras.

Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
— Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância…

(versos de Evocação do Recife, Manuel Bandeira)

estátua de Manuel Bandeira

Manuel Bandeira na Rua da Aurora


Os últimos dois homenageados são menos conhecidos, pelo menos por mim, e nunca cheguei a visitá-los. No Parque Treze de Maio, por atrás da Rua da Aurora e na frente da histórica Faculdade de Direito do Recife, fica a escultura de Alberto da Cunha Melo, escritor, sociólogo e jornalista recifense. A estátua de Celina de Holanda, infelizmente, fica longe do centro, na Avenida Beira Rio, e não dá para ir a pé… Mas nada impede uma esticadinha de carro para conhecer a vida da jornalista e poetisa pernambucana.

Depois de tantas emoções, chegamos ao final do Circuito da Poesia, uma maneira diferente para conhecer algumas atrações turísticas de Recife e um pouquinho das obras de grandes artistas brasileiros. Tudo a pé.

E quem gosta desse tipo de passeio vai encontrar dicas sobre roteiros a pé no blog Olívia garimpando por aí. Passeios a pé caem bem em qualquer cidade, mesmo de grande porte, no Brasil e no exterior.

Juntei uns exemplos legais em cidades europeias que vão te ajudar a planejar bons itinerários. No blog Uma senhora viagem tem tudo explicadinho para  visitar Lisboa a pé . No blog Turista FullTime tem um roteiro de um dia em Toledo, todo a pé. E não poderia faltar um rolê a pé no centro histórico de Amsterdam, publicado no blog Imagina na Viagem.

Bom passeio!

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circuito da poesia em Recife

10 respostas
  1. Regina Oki says:

    Nossa, Adelaide, que roteiro incrível! É louvável que uma cidade homenageie as pessoas que contribuíram para a cultura do país. Achei muito interessante a maneira como a informação é apresentada. Bem que outras cidades poderiam seguir o exemplo e criar placas explicativas semelhantes (ou usar o QR code), pois muitas vezes passamos por uma escultura e não lhe damos o devido valor, pelo simples fato de não sabermos a quem se refere. Nota dez para a iniciativa recifense e para o seu post!

    Responder
  2. Olivia says:

    Esse circuito de poesia a pé em Recife é encantador. Reúne tantas símbolos num mesmo programa, a poesia, o respeito ao Planeta, fortalecer essa cadeia de turismo. Adorei e quero fazer com certeza.
    beijos

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  3. Marina says:

    Tô aqui de queixo caído com a beleza desse passeio, Adelaide. É lindo ver a nossa história (e nossa arte) valorizadas desta forma! Não conhecia o Circuito da Poesia e fiquei encantada – e ainda mais animada por visitar Recife, tão logo a vida volte ao “normal”. Já quero uma foto com cada uma das estátuas… bem turistona mesmo! Hehehe…

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  4. Lilian Azevedo says:

    Conheço alguns desses pernambucanos maravilhosos que tão bem representam nosso povo brasileiro e que nos recebem no Circuito da poesia em Recife. Achei genial a ideia de criação de um roteiro que destaca os homenageados conduzindo o visitante pelo Recife. Excelente post. Minha última vez em Recife foi em 2017 e animei a revisitar a cidade. Beijocas

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    • Adelaide says:

      Olá Lilian,
      é tão raro termos a oportunidade de homenagear os nossos escritores e poetas. O Circuito da Poesia é uma ótima desculpa para conhecer as suas obras e explorar a cidade.
      Até a próxima!

      Responder

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