Movida de Madri: o rito sem fim
Quando vejo a Movida de Madri, lembro dos Indignados, um dos mais importantes protestos pacíficos do nosso tempo. Ou melhor, o movimento que em 2011 abalou as poltronas do governo Zapatero, acusado de levar a Espanha ao abismo da crise econômica. No dia 15 de maio uma multidão sem fim lotou completamente os lugares simbólicos da cidade como Plaza de Cibeles, Plaza del Callao, Gran Via e Puerta do Sol. As imagens da marcha de Madri ficarão nos livros de história, com certeza.
Mas – como sempre – a vida continua, the show must go on. E hoje Madri já está na era dos pós-indignados…Cinco anos são uma eternidade e na minha recente visita à Madri não encontrei vestígios da revolta de 2011. Mas a marcha nas ruas madrilenas continua, menos indignada, mas continua. A maravilhosa e vibrante frenesia espanhola resiste e não desiste. Sim, tudo vai dar certo…A crise já acabou ou está acabando. E a movida vai sobreviver siempre, tranquillos. A esperança é a última que morre.
O que mais me chama a atenção em Madri é a multidão – agora não mais indignada. Uma onda que começa a crescer como massa de pão depois das cinco da tarde, ocupando as ruas do centro.
Você fica na dúvida: é um protesto, uma festa, um show? Que nada, é a movida, um força contagiosa que leva você a passear sem meta, entrar e sair dos bares e consumir as famosas tapas. Tapas, tapas…não existe Espanha sem tapas. Seria como Roma sem Coliseu e Veneza sem gôndola.
Pra curtir Madri tem que entregar os pontos, entrar na Movida e gostar de tapas…
A Movida de Madri
Na verdade a Movida originariamente foi um movimento social e artístico que surgiu em Madri depois da morte de Franco (1975) e que durou até o fim dos anos 80. Um movimento que emoldurava a nova Espanha depois de 40 anos de ditadura sangrenta.
Foi o momento da libertação. Muitos jovens provaram pela primeira vez a sensação de liberdade, a euforia de viver sem medo. Em pouco tempo, foi transformação total, liberou geral, reviravolta pacífica. A “geração Movida” gostava de cultura underground e de exageros de todos os tipos. A movida significou quase uma indenização “moral” pelos estragos causados durante a repressão.
No início dos anos 80 Madri foi palco de importantes atividades culturais. Alguns shows ao vivo viraram lenda como “El Concierto de Primavera” em maio de 1981 que reuniu mais de 15000 pessoas e durou mais de oito horas!
Nesse período foram criados os lemas que ainda hoje permanecem ligados à movida madrilena: Madrid nunca duerme, Madrid me mata, Esta noche todo el mundo a la calle.
Com o passar do tempo, o termo movida perdeu o ímpeto inicial e passou a significar hedonismo, animação, diversão – principalmente noturna… Noturna relativamente, porque o significado da palavra noite é muito elástico em Madri. A noche madrileña começa à tarde e acaba quando o sol está bem acima do horizonte. Aliás, o relógio espanhol tem um andamento peculiar, sui generis e exagerado.
A movida começa na hora das tapas, continua na hora do jantar – jamais antes das 22 horas. Lá pra meia-noite é a hora do drink de preparação para o que vem depois. Ninguém entra em discoteca antes das 3 da madrugada. E o after hours? Acaba às 9 da manhã. Somando tudo isso vai dar movida. E das boas.
Um dos marcos da movida madrilena foi Pedro Almodóvar, grande cineasta espanhol. Antes de visitar Madri porque não assistir Labirinto de Paixões? Só pra ter uma ideia…kkk.

A movida começa cedo e o perfeito “tapeador” adora uma cerveza
Onde fica a Movida de Madri
A movida é democrática? Mais ou menos. Existem vários tipos de movida em Madri, dependendo do bairro.
A regra mais importante é circular e evitar as ruas turísticas, principalmente Puerta do Sol e redondezas.
Em pleno centro, todos os dias, aliás todas as noites, a movida pra todo mundo fica no Barrio de las Letras, onde morou Cervantes, perto da Plaza Santa Ana e nas Calles de Las Huertas (para pedestres) e Echegaray, onde os bares ficam abertos até tarde. A Calle de las Huertas, além de ser o foco da movida do bairro, é muito agradável também durante o dia.
Para os alternativos e caçadores de novidades, tem o bairro Chueca, conhecido por ser gay-friendly, e parecido com o Village de New York e Soho de Londres. O roteiro deve incluir Calle de Fuencarral, Calle de Hortaleza, Plaza Chueca e o imperdível polo gourmet do Mercado San Antón, menor e mais tranquilo do que o Mercado San Miguel.
Ali perto, por trás da Gran Via, fica o Bar Cock (Calle de la Reina, 16), fundado em 1921 e um dos preferidos de Almodóvar.
O fuzuê madrileno continua no bairro Malasaña, meta da movida under 30, cujo epicentro fica na Plaza Dos de Mayo, perto da cidade universitária e não muito longe de Chueca. No bairro ficam algumas famosas terrazas da Movida de Madri, que lotam na temporada de verão.
A Movida sofisticada e chic fica no bairro Salamanca (Calle de Serrano, Calle de Claudio Coello, Paseo de Castellana, Paseo de Recoletos e Paseo del Prado): restaurantes gourmet, bares muito cool e as famosas terrazas. Alguns bares em estilo Belle Epoque merecem uma olhada mesmo durante o dia, como por exemplo o Café Gijon (Paseo de Recoletos, 21). Salamanca tem a vantagem de ser pouco turístico (provavelmente por causa dos preços mais altos…).
É bom saber que existem vários outros de bares onde praticar a Movida: cocktail bar, bares de tapas e bares de copas (que ficam abertos até de madrugada).

Início de tarde no Barrio de las Letras – Calle de las Huertas e as citações cravadas nas ruas

Movida nas alturas de Madrid – Tartan Roof

Bairro Malasanã, teoricamente meeting point dos universitários
E as tapas?
Tapas e movida, é o binômio espanhol. O casal perfeito.
Não é fácil dizer exatamente e com poucas palavras o que é la tapa. Um simples tira-gosto? Não, seria subestimar o valor social das tapas.
É um modus vivendi. Um modo de compartilhar um momento, relaxar e bater papo na frente de um prato de salgadinhos, canapés, azeitonas…Ninguém saboreia tapas sozinho. Seria a negação das tapas.
Las tapas pedem um barzinho bem lotado, meio barulhento, muita gente em pé, poucas cadeiras, muita cerveza e vinho. Na hora H das tapas fica difícil achar um lugar em Madri onde entrar sem ter que empurrar.
Tem tapas para todos os gostos: caseiras, sofisticadas, baratas e caras…cuidado com a última categoria, principalmente quando não tem tabela de preços pendurada na entrada. Você pode pagar 3-4 euros por uma simples fatia de torrada com patê.
Para quem gosta de “tapas com vista”, a opção é visitar os novos bares trendy que ficam no último andar de hotéis, mercados, lojas de departamentos, clubes exclusivos…Vistas madrilenas que tiram o fôlego para começar la noche com o pé direito

Tapas, o combustível da movida

A sangria não pode faltar
p.s. um agradecimento especial aos companheiros de viagem Marco, Alessandra e Maurizio, pacientes e incansáveis.
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