O lado Liberty de Milão: roteiro a pé
Liberty é sinônimo de independência, ruptura, novidade e – porque não – alegria. Um estilo sob medida para uma cidade que no início do século XX estava em pleno desenvolvimento econômico. De certa forma a arquitetura Liberty é o traço mais importante de Milão, a sua marca registrada. Não é à toa que para muitos entendedores a cidade é considerada a capital do Liberty italiano.
Tudo bem, eu sempre digo e escrevo: Milão não é Roma. Roma é única e especial. Mas mesmo sem grandes museus e monumentos, Milão é pontilhada de importantes tesouros arquitetônicos que marcaram o desenvolvimento urbano italiano. Entre eles, estão os edifícios Liberty. Somente por ter este conjunto arquitetônico Milão mereceria cinco minutos de fama.
Então porque não encarar um roteiro arquitetônico no bairro de Porta Venezia, o principal distrito do Liberty milanês? Tudo a pé e sem gastar um centavo!
O estilo Liberty
O estilo Liberty ou floreale, ou ainda art nouveau como é mais conhecido, é um estilo artístico e arquitetônico que nasceu na Europa no final do século XIX. Na época foi um movimento completamente novo e de ruptura com as tradições, muito ligado ao desenvolvimento da burguesia. Adotou formas sinuosas, curvilíneas e naturais, usando flores e plantas nos ornamentos. Foi um movimento de transição em direção ao modernismo e abrangeu vários setores como a produção de tecidos, jóias, objetos de decoração, iluminação, etc. O estilo era inovador não somente pelas formas complemente diferentes dos edifícios mas porque usou materiais inusitados como o ferro, o vidro e o cimento.
Na Itália o Liberty foi muito usado em Milão, Roma e Turim.

Típica decoração Liberty usada em sacadas
O Liberty em Milão
O Liberty milanês atingiu o seu apogeu entre o início do século XX e a Primeira Guerra Mundial. Foi a expressão arquitetônica da burguesia em plena expansão. Os novos industriais e comerciantes buscavam um estilo completamente novo que identificasse a riqueza e o poder da nova classe social.
Em 1906, Milão foi sede da Exposição Universal, uma ótima ocasião para exibir as novas obras Liberty e deixar um marco forte na fisionomia urbana da cidade. Foram inaugurados novos bairros onde foi possível adotar “livremente” o estilo Liberty, longe do estilo imponente e austero das residências nobres até então presentes no centro da cidade. Um movimento que desafiava o status quo, mostrando fachadas que contrastavam fortemente a simetria do neoclassicismo.
É importante notar que o Liberty não foi usado somente pela burguesia, com o tempo foi levado para várias zonas da cidade, inclusive nos subúrbios e nos bairros operários.
O roteiro fica no bairro Porta Venezia e foi montado para ser feito a pé, em duas horas mais ou menos, sem correr. Começa no Corso Venezia, no centro da cidade, perto da parada Palestro do metrô 2 (vermelho) e termina na Via Malpighi por trás da parada Porta Venezia, sempre metrô 2.
É um roteiro fácil e rápido no miolo de bairro Porta Veneza onde ficam alguns dos melhores exemplos do Liberty milanês, nas versões “rica e burguesa” das ruas principais assim como “popular”, típica das ruas secundárias e mais afastadas. Além da arquitetura Liberty, o bairro reúne em uma área relativamente restrita multiculturalidade, polos gastronômicos, ruas comerciais, museus, feiras ao ar livre…Enfim, vai dar para matar dois coelhos com uma cajadada!
O roteiro não podia deixar de começar no Palazzo Castiglioni, o primeiro edifício Liberty da cidade, no Corso Venezia n. 47-49. Uma obra inovadora projetada arquiteto Sommaruga do início do século XX e financiada por um importante empresário local. O objetivo era chamar a atenção da opinião púbica não somente pela dimensão do palacete mas também pela simbologia das decorações exteriores.
Inicialmente na fachada foram colocadas duas estátuas de figuras femininas nuas que foram removidas em seguida por causa dos protestos da população…desde então o palacete ficou famoso como “Ca’ di ciapp” que em dialeto milanês significa “a casa do bum-bum“. Os detalhes que mais impressionam são as esculturas dos anjos em cima das janelas.

A fachada do Palazzo Castiglioni

Palazzo Castiglioni – Esculturas rebuscadas na entrada principal
Seguindo o Corso Venezia, em direção à Porta Venezia, vire à direita em Via Serbelloni. Logo mais na frente, no n. 10, encontra-se a Casa Sola-Busca, belíssimo exemplo de Liberty. Na fachada encontra-se uma grande orelha, obra do escultor Adolfo Wildt, usada antigamente como interfone para comunicar com o porteiro do edifício…kkk.

A orelha-interfone da Casa Sola-Busca
Seguindo em frente, encontra-se Via Mozart, uma das ruas mais bonitas de Milão, sem exageros. A rua inteira merece um passeio. Primeira parada no cruzamento com a Via Barozzi. Logo depois da esquina, no n.7, fica um dos três edifícios, todos conhecidos como Casa Berri-Meregalli, e projetados pelo famoso arquiteto Arata. O segundo edifício fica na Via Mozart n. 21. As fachadas dos dois edifícios são obras-primas do Liberty italiano.
O terceiro edifício Casa Berri-Meregalli fica na Via Cappuccini n. 8, esquina com a Via Vivaio, outra rua lindíssima. O palacete é uma loucura, olhando para a fachada não dá pra entender nada. Para não falar das decorações. Dentro é uma maravilha. Confira a galeria de fotos dos três edifícios.
Toda a área entre as ruas Mozart, Cappuccini e Vivaio é conhecida em Milão como o Quadrilátero do Silêncio.

Casa Berri-Meregalli na Via Barozzi n.7: esculturas de animais com feições monstruosas em cima das janelas e como suporte das sacadas

Casa Berri-Meregalli da Via Mozart 21: incrível detalhe das calhas

Fachada eclética e rica de ornamentos da Casa Berri-Merregalli na Via Cappuccini n. 8

Sacada da Casa Berri-Meregalli na Via Cappuccini n. 8: cabeças de monstros, anjos que carregam calhas…

Nada mal o ornamento das janelas
Depois da Via Cappuccini, é preciso ir até a Via Malpighi, passando pela avenida Viale Luigi Majno e pela frente do Hotel Sheraton Diana Majestic, outro edifício Liberty histórico, com um maravilhoso jardim, aberto no verão para aperitivos.
Aqui ficam mais dois tesouros. O primeiro fica no n. 3. É a famosa Casa Galimberti, construída pela empresa Galimberti, a mesma do Palazzo Castiglioni no Corso Venezia. A fachada foi decorada com azulejos pintados com flores, plantas e figuras humanas desenhadas pelo arquiteto projetista Bossi.

A fachada da Casa Galimberti: decoração feita com azulejos pintados e sacadas trabalhadas

Detalhe das sacadas da Casa Galimberti
Quase em frente fica a Casa Guazzoni (Via Malpighi n.12), a minha preferida, construída pelo mesmo arquiteto da Casa Galimberti. A fachada é decorada com ornamentos em ferro, muito bem trabalhados. O edifício é tombado pelo Patrimônio Histórico da cidade.

A fachada do edifício é coberta por esculturas e ornamentos em cimento, todas ricamente trabalhadas

Detalhe das esculturas da fachada da Casa Guazzoni

A foto mostra o lindo trabalho das sacadas em ferro
Info úteis
A primeira parte do roteiro fica no bairro mais nobre da cidade. Além dos edifícios Liberty ali encontram-se outros palacetes maravilhosos, construídos em estilos mais clássicos. A área tem pouco comércio.
A segunda parte do roteiro (Via Malpighi) fica em uma área mais movimentada e comercial, próxima ao Corso Buenos Aires, um dos “templos” do shopping milanês. O bairro tem boas opções de hospedagem, restaurantes e vida noturna. Uma boa pedida é uma parada no bar Viel, famoso pelas batidas de frutas. Ou então um aperitivo na Via Castaldi onde ficam bares e bistrôs super charmosos.
p.s. O roteiro pode ser feito de bicicleta. Confira aqui no blog como funciona o aluguel de bicicletas em Milão.
Site oficial da Prefeitura para aluguel de bicicletas (em inglês) | BikeMi.
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Oi Adelaide, tudo bem? Descobri seu blog por acaso, ao procurar dicas sobre Milão. Por incrível que pareça, conheço sua família (sou de Casa Forte, coincidência das coincidências). Estou indo para ver o salão de moveis de Milão, e depois terei uma semana para passear e passar duas noites em Veneza. Utilizarei o seu blog para organizar meu roteiro, pois me identifiquei demais com os tópicos e a forma de abordagem.
Com certeza tentarei explorar ao máximo as suas valiosas dicas.
Oí Ana Paula,
que coincidência incrível. Não diga que você também morou na Oliveira Góes? :) Moro em Milão há muitos anos e qualquer dica que precisar pode entrar em contato. Pode usar a página do FB ou o messenger. Milão tem muito o que ver mas você pode aproveitar e dar um pulo bate-volta em Turim ou Bolonha, que ficam bem perto. Abs