Panettone ou Pandoro, o dilema da ceia de Natal italiana


É o Fla-Flu do Natal, o clássico dos clássicos. Qual é o melhor doce da ceia de Natal italiana? Quem é o convidado de honra na refeição mais importante nos lares italianos?  Uma resposta que pode dividir uma família e estragar a ceia (ou o almoço) de Natal. Quem ama um, detesta o outro. Adultos, panetone; crianças, pandoro. Mas existe a categoria dos neutros, como a Suíça, que não apoia nenhum dos combatentes. Ou os traidores, que comem os dois. Um verdadeiro sacrilégio, quase como dizer que Papai Noel não existe.

Tô fora! Vou simplesmente contar a vida paralela desses doces-irmãos, amados e odiados, em proporções democráticas, desde sempre.

Uma vida misteriosa e lendária, como misterioso é o motivo da disputa. Não estamos falando da eterna luta entre Norte e Sul, porque ambos são nortistas. Eu diria que parece mais uma desfeita entre Leste e Oeste, porque um é de Milão e o outro é de Verona. No entanto, a questão é mais complicada e toca as tradições e as preferências culinárias e estéticas dos italianos.

A ceia de Natal italiana

Vamos começar pelo fim. Pela ceia de Natal italiana. Digo ceia, mas pode ser almoço. Na Itália, na verdade, tudo vira disputa. No Sul, é ceia, como no Brasil. No norte, é almoço.

Vivo há anos e anos na Itália e, acreditem, nunca fui a uma ceia ou almoço de Natal sem que houvesse uma pequena discussão sobre o doce a ser servido como sobremesa. Pasmem, mas é verdade. Panettone ou pandoro? Quando os convidados são muitos, no tratado de paz ficou estabelecido que precisa servir os dois. Mas nas famílias pequenas, precisa chamar um negociador.

Antes da disputa panettone versus pandoro, tudo era mais fácil porque existia a tradição do “pão natalino”. Estamos falando da Idade média. Era um pão especial, feito com frutas secas e cristalizadas, servido no Natal e cortado religiosamente pelo “chefe de família”. Ainda hoje na Itália existem versões de “pão natalino” que não parecem nem com um, nem com o outro. É o caso do da Bisciola da Valtellina ou do Pandolce de Gênova. Tradições que resistiram apesar da ditadura dos produtos industrializados.

Mas voltando ao assunto. No Natal tem que ter sobremesa. Todo mundo concorda. A preferência entre um e outro depende de tantas coisas. Os dois são calóricos e feitos com manteiga. Portanto a questão não é dietética. Maas….

Por exemplo, no panettone tradicional tem uva-passa e frutas cristalizadas e nem todo mundo gosta, principalmente as crianças. O panettone, se não é bem feito, é meio pesado. O pandoro é alto, elegante, dourado, chama logo a atenção. As fatias têm forma de estrela e as crianças adoram. E com a cobertura de açúcar de confeiteiro parece que está coberto de neve.

Dizem as más línguas que nenhum dos dois tem origens italianas mas austríacas. Antigamente eram mensageiros de esperança: na noite de Natal, eram um alimento rico, recheado de coisas gostosas e ajudavam a esquecer a carestia e a falta de comida durante o ano.

A estória do panettone milanês

A estória do panettone é praticamente um conto de fadas natalino.  Reza a lenda que, no fim do século XV, um tal de “Toni”, criado do potente nobre milanês Ludovico il Moro, inventou o panettone na última hora para substituir o doce natalino que havia sido queimado no forno. Misturou todos os ingredientes que encontrou na cozinha et voilà

A nova receita foi tão apreciada pela corte real que ganhou um nome: Pan del Toni ou Pan de’ Toni, o pão de Toni, que, com o passar dos séculos, virou panettone.

Mas muitos especialistas dizem que essa estória seja falsa. E preferem uma versão mais romântica. Um nobre milanês finge de ser padeiro e inventa o panettone para salvar da falência a padaria do pai da sua namorada. O doce foi um sucesso, a padaria não faliu e todos viveram felizes para sempre.

Ninguém sabe se é verdade. Sabe-se somente que o panettone foi citado oficialmente pela primeira vez em 1606: chamava-se panaton. Em meados de 1800 aparece um nome ainda mais parecido com panettone: o panatton de Natal, em dialeto milanês, um pão feito com farinha de trigo, ovos, açúcar e uva-passa.

Inicialmente o panettone era feito sem fermento e sem manteiga. A receita foi modificada aos poucos até chegar aos anos 20 quando Angelo Motta, o célebre confeiteiro-empresário milanês, inventou o panettone “alto”, que todo mundo conhece. E foi assim que, depois de conquistar os milaneses, o tímido panettone partiu para conquistar o resto da Itália e o mundo inteiro.

panettone

Panettone


A estória do eterno rival, o Pandoro

O “pão-de-ouro” nasce em Verona, não muito longe de Milão. E a sua estória também nasceu na realeza porque dizem que foi inventado durante o domínio dos Della Scala, família real de Verona, no século XIII. Na época era o pandoro era chamado de “nadalin” um pão-doce com forma de estrela criado para festejar o primeiro Natal que a família passaria na cidade.

Em 1894 o empresário Domenico Melegatti patenteou o pandoro, acrescentando ovos, manteiga e fermento à receita original e começando assim a produção industrial que espalhou o doce natalino na Itália inteira.

pandoro italiano

Pandoro, doce natalino italiano criado em Verona


Voltando aos dias de hoje

Devo dizer que os dois “inventores” da versão industrial do pandoro e do panettone não tiveram sorte. Faliram e as marcas foram vendidas para multinacionais. E nessa brincadeira de mudar tudo para agradar todos, hoje em dia, nos supermercados, tem panettone e pandoro para todos os gostos. A lista é praticamente infinita: com recheios de creme, pistache, sorvete, chocolate, frutas secas exóticas, coberturas mirabolantes. Enfim, às vezes fica difícil achar o panettone embaixo disso tudo. Mas gosto não se discute.

Algumas padarias de Verona e Milão ainda continuam a produzir os doces originais. Em Milão, por exemplo, não é difícil achar o panettone “baixo”, na minha opinião, bem mais gostoso e leve.

A única certeza é: não tem ceia de Natal italiana sem panettone ou pandoro. Seria inconcebível.

p.s. vou confessar bem baixinho pra ninguém ouvir: o meu favorito é o pandoro porque é fofíssimo, aromático e… principalmente… não tem uva-passa. Panettone até como, mas só quando acompanhado por uma super tradicional e calórica crema di mascarpone.  Mas é Natal :)



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