Um continente chamado Palermo
Palermo é um mundo mas não é para todo mundo…Foi o que pensei depois da primeira meia-hora de caminhada. Cidade complexa, antiga, um labirinto de monumentos maravilhosos e ruas sem pé nem cabeça. Uma cidade cheia de vida, mil vidas, mil sabores, mil caras. Um quadro que pode surpreender e desnortear o turista desavisado.
Não é uma cidade para bate-volta. Um roteiro em Palermo tem que incluir pelo menos uma noite ou duas para dar tempo de perambular sem destino, entre os vendedores ambulantes de espetinhos e granita, as feiras de rua, as guloseimas sicilianas. E no verão, passar uma manhã praia de Mondello. Visitar Palermo é uma experiência sensorial, precisa estar preparado.
Palermo não fica longe de Marsala e Trapani, duas cidades que merecem entrar no roteiro siciliano, usando as dicas que já publiquei sobre estes destinos.
Palermo é uma daquelas cidades onde os monumentos servem de moldura ao verdadeiro atrativo: os palermitanos e as suas tradições.
Os palermitanos…pois é…Para entendê-los precisa saber que, devido a sua posição geográfica, a Sicília foi invadida e dominada por fenícios, gregos, romanos, vândalos, espanhóis, passando pelos árabes… Uma mistura interminável de culturas, sabores e odores…
Houve um período em que Palermo foi uma das cidades mais prósperas do Mediterrâneo. Depois chegou a decadência, destruidora e persistente. Culpa de quem? Uma culpa compartilhada – meio a meio – entre a Itália e a Sicília, culpa de uma política míope e passiva.

Vista panorâmica de Palermo e suas montanhas
Máfia e outros preconceitos…
Em cima desta terra maravilhosa pairam preconceitos injustos, principalmente criados pelos italianos do norte. É inegável que existem contrastes culturais importantes entre o norte “que trabalha” e o sul “que gasta” – como geralmente os nordistas dividem a Itália. Não é somente uma questão de Máfia, mas principalmente de um modo de ser, de viver e de encarar a vida em geral.
Os sicilianos se consideram acima de tudo sicilianos. Talvez seja porque a Sicília seja uma ilha, não sei. Quando estive na Sicília, passeando em uma feirinha, encontrei tomates maravilhosos. A feirante fez questão de explicar que os tomates não eram “italianos”, mas sicilianos. E portanto, bons e genuínos. Entendi muitas coisas com aquela frase.
Depois da Unificação da Itália, os sicilianos desejavam finalmente um pouco de prosperidade e o fim do sistema feudal eclesiástico e dos latifúndios, como prometido por Garibaldi, o símbolo da Itália unida, o herói dos Dois Mundos. Um sistema que durante séculos esmagou a economia da Sicília e atravancou o progresso de forma quase irremediável.
Mas a prosperidade nunca chegou, como tinha sido prometida. A implantação de um governo de molde nordista, de taxas e de um corpo policial pouco eficiente provocou a reação hostil da população, corrupção e guerras entre grupos criminosos que lutavam pelo controle do território.
Mais ou menos nesta época nasce o termo “Máfia” que define uma associação criminosa organizada que inicialmente protegia os interesses dos latifundistas sicilianos. Um sistema que, aos poucos, se esparrama na ilha e preenche o vazio deixado pelo governo central.
A Máfia, com M maiúscula, ou Cosa Nostra, é “típica” siciliana e não deve ser confundida com outros tipos associações mafiosas que existem na Itália, como a Camorra, por exemplo.
Com o passar do tempo, a Máfia sai do interior e chega às cidades com a cumplicidade de governantes ambíguos, com um pé aqui e outro acolá, favorecendo o crime organizado, subdesenvolvimento e desemprego… A guerra urbana entre os clãs mafiosos isolou Palermo durante muitos anos, deixando o centro histórico abandonado.
Como medida extrema de sobrevivência, os comerciantes e industriais começam a pagar o famoso pizzo aos mafiosos, um valor em dinheiro em troca de proteção contra incêndios, roubos, e até mesmo morte.
Mas hoje muita coisa está mudando, principalmente na mentalidade dos jovens. Existem movimentos sociais importantes contra o sistema mafioso. Um deles é o Addio Pizzo que luta para a abolição do pizzo. Muitas lojas mostram o adesivo “Addio Pizzo” colado nas vitrines. É um bom começo.
A coisa mais importante para um visitante é não focar somente o problema da máfia, mas lembrar que a Sicília é sinônimo de hospitalidade, arte, cultura, natureza e comida gostosa.
Os sicilianos são muito simpáticos e auto-irônicos. Mas não fale sobre máfia com eles. É um assunto delicado que nem todos apreciam.
Faça como os palermitanos, coma e beba na rua
A gastronomia palermitana é um dos atrativos de Palermo. Principalmente a comida de rua. Tem opções para todas as refeições: café, almoço, aperitivo, jantar…e para quem não tem hora de dormir.
As barraquinhas ficam espalhadas nos quatro cantos da cidade, principalmente nos arredores das feiras. Quando começa a escurecer, aparecem por todos os lados, como pipoca na panela quente.
Comida simples e barata. Mas nem por isso menos gostosa e genuína. Para entender a complexidade dos palermitanos tem que ter coragem de imitá-los. Mergulhe nessa…
O dia começa com uma granita cremosa de pistache ou amêndoa como somente os sicilianos sabem fazer, com um cannolo recheado de ricotta fresca.

Cafè da manhã em Palermo: granita de pistache
Esqueça o gosto dos cannoli que você comeu por aí. O cannolo siciliano é outra coisa, casquinha crocante por fora, cremoso e macio por dentro, com gotas de chocolate, laranja cristalizada, pistache.
Ou ainda uma suculenta brioche (o croissant italiano) recheada com sorvete! Isso mesmo: sorvete no café da manha.
Mais tarde, montanhas de pratos salgados enchem as ruelas de Palermo:
- panino con le panelle: sanduíche com pão típico siciliano com sementes de sésamo, recheado com quadradinhos fritos feitos com farinha de grão-de-bico.
- pane cunzato: pão recheado (ou coberto) com tomate, alcaparras, orégano e queijo fresco (ou atum);
- arancine: são os famosos bolinhos de arroz recheados com carne (ou presunto), ervilhas e queijo;
- sfinciuni: pizza alta com tomate, cebola, anchovas e queijo caciocavallo.
E, enfim, o rei das comidas de rua de Palermo, mas somente para os verdadeiros gastrô-turistas: o pani ca’ meusa. Nome impossível de pronunciar se você não nasceu na Sicília. A receita é simples: pão recheado com baço estufado, bem temperado, cortado em fatias. Baço? Isso mesmo: baço!
Aqui vale o conselho das nossas mães quando éramos crianças: para dizer que não gosta tem que experimentar!

Pani Ca’ Meusa – versão palermitana do hambúrger – somente para audaciosos
Perambulando nas feiras
Um roteiro em Palermo sem incluir as feiras ao ar livre é mais grave do que ir a Roma e não visitar o Vaticano. São o ponto de encontro entre o Ocidente e o Oriente. A mistura de povos e culturas.
Passear entre verduras fresquinhas, sardinhas, limões, alcaparras, azeitonas, é um show que não tem preço, apesar da bagunça e da gritaria dos palermitanos.
As opções mais pitorescas são:
- Vucciria (vozerio em dialeto): mercado histórico de Palermo, entre Via Roma e Piazza Caracciolo; antigamente era um grande açougue, hoje em dia vende tudo.
- Ballarò: mercado mais antigo (e menos turístico) de Palermo, perto da Praça Casa Professa até Porta Sant’Agata; fica aberto o dia inteiro e à tardinha os ambulantes vendem comida típica pronta para levar para casa.
- Capo: mercado que fica num antigo bairro que existe desde a época da dominação árabe; fica entre as ruas via Carini e Beati Paoli, via di S. Agostino e via Cappuccinelle. Aqui moravam os piratas que contrabandeavam escravos!
- Borgo Vecchio: fica entre as praças Piazza Sturzo e Piazza Ucciardone; aberto a noite e ideal para um aperitivo na beira da calçada.
Os preços são assustadoramente baixos em relação ao resto da Itália. E a qualidade é top!
Mas em Palermo, tudo é barato, desde a hospedagem até os restaurantes.

Inclua o Mercado Vucciria no seu roteiro em Palermo – é uma viagem na viagem

Bandejas de “arancini”, bolinhos de arroz recheados
Entre as refeições, não esqueça de visitar os monumentos…
Um roteiro em Palermo e nos arredores requer uns dois dias. O acervo é impressionante, apesar da situação de abandono de muitos bairros. Uma pena.
Para começar tem a Catedral Maria Vergine dell’Assunta, construída como igreja católica no ano 600 e transformada em mesquita no ano 800 e outra vez em igreja em 1100 na época dos Normandos. A sua beleza é a mistura de estilos arquitetonicos. Como Palermo.
Outro simbolo de Palermo é Fontana Pretoria, construída em Florença e transferida para Palermo em 1544. A fonte fica na Kalsa, antigo bairro árabe no centro da cidade, onde morava o emir.
O Palazzo dei Normanni (Palácio dos Normandos) é um belíssimo palacete, declarado patrimônio da Unesco em julho 2015. É a residencia real mais antiga da Europa e foi sede do governo enquanto Palermo foi capital do Reinos das Duas Sicílias. Foi construído pelos árabes e ampliado pelos normandos em 1072 (quando digo que Palermo é antiga…). Hoje é sede do governo regional.
Diga-se de passagem que o período normando foi o de maior esplendor.
Uma das atrações do Palácio dos Normandos é a Capela Palatina erguida em meados 1100. Exemplo de arquitetura bizantina, moura e normanda.
Palermo tem dois teatro importantes. O primeiro é o Politeama Garibaldi, construído em 1865. E para não esquecer que a Máfia mora por aqui, visite o Teatro Massimo – nas escadarias foi filmada uma famosa cena do Poderoso Chefão.
O roteiro acima é o mínimo indispensável. Se tiver mais tempo não deixe de ir até Monreale, cidadezinha perto de Palermo, onde fica a famosa catedral construída em meados de 1100. A catedral é conhecida principalmente pelos maravilhosos mosaicos. É Patrimônio da Humanidade da Unesco.

Teatro Politeama – Palermo

Em qualquer roteiro de Palermo não pode faltar o Teatro Massimo

A Fontana Pretoria na Praça da Vergonha
Links úteis
Ferrovia Italiana (em inglês) | http://www.trenitalia.com/tcom-en
Site oficial da Catedral de Monreale | http://www.cattedralemonreale.it/
Site oficial da Catedral de Palermo | http://www.cattedrale.palermo.it/
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Ótima matéria.
Realmente Palermo é um contraste com o resto da Itália mas gostei muito.
Estou voltando pela segunda vez para fazer um roteiro entre Cefalu e San Vito Lo Capo.
O que você acha desse roteiro? Vou ficar uma semana. Fica muito corrido?
Óla Paulo,
obrigada pelo contato.
O litoral entre Cefalu e San Vito é muito bonito, tem muito o que ver. Se for visitar a região no verão é uma pena ficar poucos dias, principalmente se for visitar Palermo outra vez.
Abs
Eu estarei na Sicília a trabalho. Onde eu posso ir no fim de semana de carro, além de Palermo?
Obrigado
Oi Fernando,
um bate-volta legal é Marsala e Trapani. Duas cidades pequenas muito legais com uma otima gastronomia. O prato tipico é o cuscuz salgado com frutos do mar.
Outra opção é Agrigento. Maravilhosa. Neste caso é melhor dormir uma noite porque tem muito o que ver.
Qualquer duvida entre em contato!